TRF-3 reduz tributação de juros sobre o capital próprio recebidos por empresa
Por: Arthur Rosa
Fonte: Valor Econômico
Os contribuintes ganharam um importante precedente sobre tributação de juros
sobre o capital próprio (JCP). O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-
3) concedeu a uma empresa de gestão patrimonial o direito de tributar os
valores recebidos pela sistemática do lucro presumido, o que garante a inclusão
de 32% do total na base de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL - e
não tudo o que foi auferido, como exige a Receita Federal.
No pedido, o contribuinte defendeu que os valores de JCP são decorrentes da
sua atividade empresarial (administração de bens, investimentos e participações
societárias) e se enquadram como receita bruta operacional, e não como receita
financeira acessória. Para ele, a legislação do IRPJ e da CSLL, especialmente os
artigos 15 e 20 da Lei nº 9.249, de 1995, e 25 da Lei nº 9.430, de 1996,
autorizariam a inclusão dos JCP na base de cálculo do lucro presumido, com
aplicação da alíquota de 32%.
A decisão foi dada pela 6ª Turma do TRF-3 em embargos de declaração com
efeitos infringentes (modificativos), depois de o contribuinte recorrer ao
Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que se caso fosse reavaliado pelos
desembargadores. “A primeira análise foi superficial e o STJ acolheu nosso
pedido de que era preciso julgar o caso levando em consideração a atividade
operacional da empresa”, diz o advogado Newton Domingueti, sócio da área
tributária do Velloza Advogados.
A empresa recorreu ao Judiciário depois de a Receita Federal, por meio de
solução de consulta, considerar juros sobre o capital próprio como receita bruta
para fins de tributação pelo PIS e pela Cofins. O entendimento, dado em pedido
formulado pelo próprio contribuinte, é da Coordenação-Geral de Tributação
(Cosit) - o que vincula toda a fiscalização do país.
Na Solução de Consulta nº 84, de 2016, a Cosit entendeu que “as receitas
decorrentes do recebimento de juros sobre o capital próprio auferidas por
pessoa jurídica cujo objeto social seja a participação no capital social de outras
sociedades compõem sua receita bruta para fins de apuração da contribuição
para o PIS/Pasep e da Cofins devidos no regime de apuração cumulativa”.
Sempre houve controvérsia em relação ao tratamento tributário dos JCP”
— Diego Miguita
Na decisão do TRF-3, além da solução de consulta, os desembargadores citam
expressamente decisão da 1ª Seção do STJ (REsp 2089298), de 2024. No
julgamento, os ministros decidiram que, no regime de lucro presumido, a receita
bruta compreende todos os ingressos financeiros decorrentes da atividade
empresarial - incluindo JCP, segundo especialistas, quando compatível com o
objeto social da empresa.
“De rigor o acolhimento dos embargos de declaração, com efeitos infringentes,
para reconhecer ser direito da impetrante a tributação dos juros sobre capital
próprio na alíquota de 32% tanto para Imposto sobre a Renda de Pessoa
Jurídica (IRPJ) quanto para a Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL), tendo
em vista que a própria Receita Federal admite que o recebimento de juros sobre
capital próprio decorre da atividade empresarial da contribuinte”, diz em seu
voto o relator do caso, desembargador Mairan Maia.
O tema, afirma Domingueti, é relativamente novo no Judiciário e ainda deverá
ser analisado pelos tribunais superiores. “Esse precedente representa
pronunciamento inédito em favor dos contribuintes enquadrados dentro da
sistemática do lucro presumido e que auferem receitas de JCP em razão de sua
atividade empresarial”, afirma
Para João Colussi, sócio do Mattos Filho, a solução trazida pelo TRF-3 está
correta e decorre dos fundamentos do princípio que criou o regime de
tributação baseada no lucro presumido. “A legislação e a jurisprudência
consolidaram que ‘receita bruta’ abrange todos os ingressos financeiros
decorrentes da atividade principal da empresa, ou seja, receitas operacionais.
Para empresas cujo objeto social é a administração de bens, participação
societária ou investimentos, como a empresa objeto do julgamento, receitas
como JCP, são consideradas operacionais, pois decorrem diretamente da
atividade-fim da empresa”, diz.
De acordo com Diego Miguita, do Tauil & Chequer Advogados, sempre houve
controvérsia em relação ao tratamento tributário dos juros sobre o capital
próprio na apuração do lucro presumido, “especialmente pela assimetria na
posição das autoridades fiscais”. “Na apuração do PIS e da Cofins, trata-se de
receita bruta, ao passo que, na apuração do IRPJ e da CSLL, receita não
operacional, que não se submete a margens de presunção”, afirma.
O principal argumento da Receita Federal, acrescenta, é a regra do artigo 51 da
Lei nº 9.430/1996, segundo a qual os JCP devem adicionados ao lucro
presumido, “o que, implicitamente, sugeriria que se trata de receita financeira
não decorrente das atividades sociais da pessoa jurídica”.
“Contudo, a interpretação do dispositivo legal não deve ser restrita à sua
literalidade, comportando análise contextualizada e sistemática da legislação
tributária”, afirma ele, considerando acertada a decisão do TRF-3.
Em nota ao Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) defende
que a Lei nº 9.430/96, em seu artigo 51, estabelece que a receita de JCP deve
ser diretamente adicionada à base de cálculo do IRPJ para fins de apuração do
lucro presumido, não se submetendo aos percentuais previstos no artigo 15 da
Lei nº 9.249/95.
“A legislação tributária brasileira possui um regramento específico para as
receitas de JCP auferidas por pessoas jurídicas, independentemente de serem
ou não consideradas receitas da atividade principal da empresa, o que impede a
sua inclusão na base para aplicação dos percentuais de presunção dos artigos 15
e 20 da Lei nº 9.249/95”, afirma. E acrescenta: “Vale mencionar que, se o
entendimento adotado no acórdão proferido nos autos 5012 583-
08.2021.4.03.6100 fosse aplicado, a pessoa jurídica beneficiária acabaria
pagando menos IRPJ do que o sócio pessoa física. Diante do exposto, e
considerando que a decisão contraria a legislação vigente, a União Federal tem
forte convicção na sua reversão.”